Passo o testemunho (nº1)
- Story of my life Blog
- 22 de jun. de 2021
- 2 min de leitura
Hoje não é a Inês a autora do texto, com a devida autorização vim dar a minha modesta contribuição.
Espero não afugentar os followers, nem comprometer a qualidade do engagement oudiminuir as visualizações, conceitos estes tão fora da minha esfera habitual. Pretendo apenas oferecer uma visão sobre a Inês e as instituições de acolhimento, de quem olha de fora para dentro.
Conheço a Inês há10 anos, desde que tinha os cabelos enormes, olhos carregados de maquilhagem escura, dançava em frente à televisão e queria ser bióloga marinha. Uma miúda doce mas muito introvertida e fechada sobre si mesma, e que um dia depois de muito refletir me perguntou; achas que estou deprimida?
Estava, e esteve durante muito tempo.
Mas ao seu ritmo e com uma resiliência admirável foi dando passos em direção a tudo o que hoje tem conquistado. Agora está tão bem resolvida com o seu passado que partilha os seus capítulos neste cantinho de forma muito corajosa, e porque não, pedagógica também. Este seu projeto é de uma enorme generosidade, e desejo que chegue a muitos jovens institucionalizados como uma mensagem de esperança e pertença.
Que sirva também para desmontar alguns mitos e/ou preconceitos relacionados com os jovens que vivem nas instituições e que dê pistas a quem com eles lida para serem mais empáticos e compreensivos. Vamos tentar travar a ideia que só os miúdos pobres e mal-comportados é que vão parar às instituições de acolhimento, ou que os jovens que vivem nos lares são orfãos ou foram todos abandonados pela família. Ou até, que foram para a instituição de castigo... É por causa destas falsas premissas que se criam os preconceitos, é por estas ideias erradamente generalizadas que fazem com que seja tão dificil para estas crianças dizerem aos amigos que vivem num lar. E já agora, desfazer a ideia de que estes equipamentos são geridos por senhoras de meia-idade de saia travada e palmatória na mão.
A nossa casa (Lar da Santa Cruz) é um sítio luminoso, desempoeirado, voltado para a comunidade e com práticas educacionais inovadoras. “Puxarei sempre a brasa à minha sardinha” porque gosto muito de trabalhar aqui, mas posso afirmar com segurança que há muitos outros centros de acolhimento a funcionar tão bem ou melhor. Às vezes fazem-se autênticos milagres da multiplicação, porque com recursos (MUITO) escassos conseguimos ter jovens a tirar a carta de condução, um curso superior ou a estagiar no estrangeiro. Estamos presentes nas festas da escola, nos t.p.c., enquanto levamos outras para a urgência pedopsiquiátrica, fazemos vigilância de prevenção ao suicídio e lidamos com tribunais e algumas famílias conflituosas. Nos entretantos fazemos tratamentos aos piolhos, ensinamos tarefas domésticas, a tabuada e damos formação sexual. Depois alguém torce um pé, há um aniversário para festejar e é preciso pôr roupa a lavar e procurar o paradeiro de uma jovem que fugiu da escola. Tudo isto e muito mais (às vezes no mesmo dia), e agora com uma pandemia mundial à mistura.
Viver neste contexto passando por quatro casas diferentes desde a primeira infância, faz da Inês uma sobrevivente e uma vencedora. Há outras como ela, eu tenho o privilégio de conhecer bastantes, admiro-as muito, aprendo com elas e vou-me tornando uma pessoa melhor por causa delas. Sorte a minha!
Lilas

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