Família de afeto
- Story of my life Blog
- 28 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
Reescrevi este texto tantas vezes que já perdi a conta, cheguei mesmo a ponderar mudar o tema, mas pedi a opinião de uma pessoa em quem muito confio (do lar santa cruz, claro!) que me deu força e cá está a versão final. Foi escrito entre lágrimas e por muitas voltas que dê, nunca as palavras estarão à altura daquilo que sinto, mas fiz o melhor que consegui.
Tudo o que eu sempre quis foi ter uma família, sonhava com isso, rezava por isso, sempre foi o meu calcanhar de Aquiles. E quando atingi os 18 anos percebi que isso nunca ia acontecer. É a dura realidade, há que aceitar!
Desde que passei a viver no Lar da Santa Cruz que deixei bem claro que detestava o Natal, mais do que o dia da mãe, o Natal era a altura do ano mais triste para mim durante toda a minha adolescência e não havia festa, Pai Natal ou prenda que mudasse isso. A equipa técnica do Lar bem tentou, e de facto com o tempo fui aceitando melhor, mas bastava-me ouvir a música da Mariah Carey (sabem qual é!?) para entrar num estado depressivo.
O lar tem alguns benfeitores e/ou voluntários que ocasionalmente nos vêm visitar, ajudar em alguma atividade ou até trazer donativos. São poucos, mas bons, pessoas espantosas que estabelecem uma ligação duradoura (e duradoura é a palavra-chave) à casa. A Joana é uma delas.
Todas sabem quem é a Joana, em algum momento todas já foram a casa dela ou já foram passear com ela ou receberam super presentes que ela traz, trata-nos a todas da mesma forma. Há anos que é assim e sempre gostei muito dela.
Atingida a maioridade, eu tinha plena consciência que já não havia hipótese nenhuma de ser adotada, eu tinha 18 “já ninguém quer saber de mim”, não havia nenhuma lei, nenhum papel que me pudesse garantir uma família, estava tudo perdido! Era oficial, tinha que me desenrascar sozinha. Nem fiz festa de dezoito anos com amigos fora da instituição porque não era um momento feliz, pelo contrário.
Um dia a Joana convidou-me para ir passar um fim de semana a casa dela com outra menina do Lar, e eu adorei, claro! Não contei a ninguém, mas durante a noite fantasiei que estava no meu quarto, na minha casa… Fiz tudo muito bem, fui o mais agradável que sabia ser para que eles me convidassem de novo. E aconteceu, uma e outra vez, fim de semana atrás de fim de semana, férias, feriados e até no Natal…eu nem queria acreditar que aquilo estava a acontecer comigo. Como é que um casal tão jovem queria uma miúda de 18 anos lá em casa a atrapalhar?
Pensei muitas vezes: “será que mereço isto? Será que eles gostam mesmo de mim?” É que depois de tantos anos sem ninguém, temos a tendência de desacreditar tudo e a desafiar as pessoas para termos a certeza de que se importam realmente connosco. Eu não desafiei ninguém, não de forma consciente, mas de vez em quando ainda me saem umas perguntas como: “Quando eu sair do lar vocês já não vão querer continuar a levar-me para casa, pois não?” ou “Vocês vão começar a ajudar outra menina mais nova, que precise mais de ajuda do que eu, certo?”, isto é o meu medo a falar, é a busca reiterada da CERTEZA que não me vão largar nem deixar cair.
E de todas as vezes eles me garantem que não me vão deixar, somos família! Já lá vão 5 anos, os cinco melhores anos da minha vida. Não imaginam o prazer que me dá dizer: “vou ao MEU quarto”, “estou a chegar a CASA”! Vivi com eles os meus primeiros funerais, e doeu como se tivesse perdido de facto partes de mim, mas sou muito grata por ter tido o privilégio de conhecer a maravilhosa Vanda, mãe da Joana, e a doce avó Marina.
Eles preenchem na medida certa o vazio que tinha no coração, eles os dois e toda a família (Sara, Bruno, Leonor, e outras pessoas igualmente incríveis). Brincam com o meu sotaque matosinhense e com a minha distração, ajudam-me a estudar, corrigem-me o inglês e “puxam-me as orelhas” nas (raras!!) vezes que preciso. Até já dizem que sou parecida com eles no meu jeito de ser e ADORO ouvir isso. Gostava muito de ser uma enciclopédia com pernas como o Tiago e ter o estilo da Joana.
Vivo entre o lar e a casa deles, e sou tão feliz como nunca fui. Agora, logo em Novembro sou a primeira a cantarolar: “All i want for Christmas is youuu..”
Não, este texto não faz jus à força do que queria transmitir, do testemunho e da declaração de amor que queria passar, mas foi o melhor que consegui.
Joana e Tiago, até sexta!

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