CRESCER DE ARMADURA

Tenho olhos verdes, cabelo claro e modéstia à parte era uma criança amorosa. Querem adivinhar quantas pessoas me quiseram ajudar? Levar para casa no Natal? Levar a passear? Muitas! Sabem quantas se mantiveram na minha vida de forma constante? Nenhuma! Entre voluntários, funcionárias, professoras, benfeitores, estagiárias, técnicas, pais de amigos, etc, perdi-lhes a conta. Sabia comportar-me e ficava bem em qualquer evento, como um bibelot.

Não me interpretem mal, tive algumas oportunidades de me divertir, passear, ir ao cinema e regra geral sempre me trataram muito bem. Sou agradecida, sei que fizeram com a melhor das intenções. O que não sabem é que a cada regresso à instituição morria o sonho de ter uma família.

Só aos 18 anos é que conheci uma família incrível que nunca mais me largou, depois conto-vos como foi.

O meu sonho era ter uma família que me acolhesse e que me amasse, ainda hoje penso nisso, de como tudo poderia ter sido diferente. É um assunto que ainda me custa abordar. Questionei-me muitas vezes: “Porque será que ninguém me quer?”, “Eles gostam mesmo de mim?”, “Como é que lhes mostro que gosto deles?”.

Embora já saiba algumas respostas, estas perguntas não desapareceram totalmente. Hoje sei que nunca poderia ser adotada porque “não estava para adoção”, ou seja, fui retirada da minha família aos 4 anos e o sistema de proteção esperou que alguém da minha família se reorganizasse e me fosse lá buscar…

Portanto na minha cabeça desenvolveu-se a ideia de que eu não era merecedora de amor como as outras pessoas, julgava ter qualquer defeito que o impedia, como um brinquedo que não é vendido por lhe faltar uma peça. Esta ideia cresceu e solidificou tornando a minha adolescência muito sofrida e uma barreira na criação de relações.

Podia até parecer muito sociável e sempre bem-disposta, mas na realidade era triste e revoltada. Acabei por construir um muro à minha volta para me proteger de todas as rejeições, o que eu não me apercebi durante muito tempo foi que esse muro também impedia as coisas boas.

Não julguem que vim para o blogue apenas carpir as minhas mágoas, quero muito mostrar como ultrapassei tudo isto e servir de exemplo e esperança para outros, mas para que consigam conhecer-me é importante contextualizar a minha história, a seu tempo também vos falarei das minhas vitórias.

Para já deixo-vos com um enquadramento científico para perceberem melhor a importância das vivências da primeira infância.

“John Bowlby, um psiquiatra e investigador britânico do século XX, foi um dos primeiros a perceber a importância das primeiras relações que estabelecemos: com os nossos pais, ou cuidadores primários. Mais especificamente, ele estudou o efeito do abandono e da negligência, em crianças hospitalizadas, e percebeu que a relação com os adultos é primordial para a sobrevivência e para o desenvolvimento das crianças. Estes bebés, recém-nascidos, eram privados do contacto com os pais (ou criadores) e, por comparação com bebés que mantinham o contacto e o carinho dos seus pais, estes recuperavam mais lentamente das doenças e tiveram problemas de desenvolvimento mais tarde na vida.

De facto, John Bowlby tinha descoberto um facto muito importante para a compreensão dos seres humanos: quando nascemos, somos dependentes dos adultos, não só para comer e beber, mas também porque precisamos que cuidem de nós, que nos dêem carinho e atenção. Sem isso, não nos desenvolvemos corretamente e, mais tarde, teremos muitas dificuldades nos relacionamentos que estabelecemos…”